Jovens amazônidas se articulam para pautar soluções climáticas na COP30

Após aquecimento no Diálogos Amazônicos, lideranças jovens apresentam expectativas sobre evento em Belém, em 2025

Wérica Lima e Maickson Serrão

“Nós temos ideias para adiar o fim do mundo”. A frase – que faz menção ao livro do filósofo e líder indígena Ailton Krenak – foi proferida pela jovem indígena Txai Suruí na abertura da COP26, em 2021, e refletiu o apelo da juventude pelo clima. Desde então, pouca coisa mudou no sentido de mitigação dos avanços da crise climática e pelo direito ao bem viver das gerações futuras.

Este ano, após anúncio de que Belém, capital do Pará, vai sediar a 30ª Conferência das Partes (COP30) em novembro de 2025, a agenda climática pela Amazônia virou alvo de muitos eventos e debates na região. O encontro, anual, é realizado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e reúne representantes de diversos países.

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Em Belém, o mês de agosto foi marcado por reivindicações. No período de 4 a 6, lideranças indígenas, quilombolas, povos tradicionais e representantes da sociedade civil e acadêmica dos oito países que abrangem a Amazônia, realizaram os Diálogos Amazônicos, a fim de alinhar as reivindicações às autoridades na Cúpula da Amazônia. Durante o Diálogos, jovens amazônidas se reuniram em painéis organizados pela Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem).

Já entre os dias 8 e 9 de agosto, a Cúpula da Amazônia reuniu, também na capital paraense, os chefes de Estado dos países amazônicos para definir os rumos da região com as metas firmadas no Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).

O fato é que esses encontros não trouxeram a mudança esperada para quem está à frente da luta pelo clima. Uma das principais reivindicações era o fim da exploração do petróleo, um tratado que não entrou no acordo dos presidentes dos países amazônicos.

Por meio de entrevistas concedidas a este projeto*, jovens amazônidas avaliaram os resultados dos Diálogos Amazônicos e da Cúpula da Amazônia, além de apresentarem suas expectativas sobre a COP30.

“O cacique Raoni não foi recebido [pelo presidente Lula] durante os Diálogos Amazônicos. Acho que esse foi o ponto mais negativo de todos, além do próprio resultado e da falta de compromisso dos países com os acordos sobre a proteção desse bioma”, ressalta Angélica Mendes, ativista socioambiental brasileira, bióloga e doutora em ecologia e evolução.

Walter Kumaruara, 27, educomunicador Indígena do Baixo Tapajós, que trabalha levando formação às aldeias e comunidades na região amazônica, esperava que o evento Diálogos Amazônicos fosse o espaço onde os jovens pudessem falar.

“Eu acredito que faltou muita coisa. Apenas organizações podiam se inscrever para participar, e nós, por exemplo, do movimento indígena do Baixo Tapajós, tivemos que nos reunir em outro local porque não teve um momento de debate dos nossos desafios, dos nossos desejos”, explica Walter, que também é coordenador do Departamento de Jovens do Conselho Municipal de Juventude (Cita).


Walter Kumaruara é educomunicador Indígena do Baixo Tapajós, no Amazonas / Arquivo pessoal

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Ebulição global 

A ebulição global, um termo usado para elucidar a gravidade do momento em que o mundo vive devido às elevadas temperaturas promovidas pela ação humana, já é uma realidade principalmente no cotidiano das populações amazônidas.

Odenilze Santos, de 26 anos, natural da comunidade de Carão, município de Iranduba no interior do Amazonas, já percebe os impactos do aquecimento global na região onde nasceu. Antigamente, ela sentia o quanto a comunidade onde morava era mais fria do que Manaus, capital do Amazonas, coisa que nos últimos anos já não pode mais diferenciar. Cheias e secas irregulares, sumiço dos peixes, desaparecimento de espécies da floresta e calor extremo têm feito muitos jovens da Amazônia se sentirem sem perspectiva de futuro.

“Sendo bem sincera, eu não consigo ser otimista sobre a gente fazer uma mudança efetiva até a COP30. Eu não vejo a gente fazendo uma mudança efetiva nem nos próximos dez anos. Por quê? Para fazer uma mudança efetiva, a gente não depende dos movimentos sociais apenas”, desabafa. “Hoje, o governo federal fala muito em zerar o desmatamento até 2030, mas não apresenta nenhuma solução para isso”.

Para ela, a dificuldade em combater o crime na Amazônia acontece por falta de interesse governamental e das próprias empresas que visam o lucro e possuem alto poder aquisitivo.

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“Eu acho que a gente começa a construir esses diálogos e isso me preocupa, porque a gente vive um momento de emergência climática, então a gente já deveria ter essas respostas. Só que a gente não tem resposta pronta. O estrago no planeta foi feito nos últimos séculos, então não dá para estalar o dedo e dizer que tudo vai ficar bem”, explica.

Paloma Costa, jovem ativista climática de Brasília, integrante do Conselho Jovem do Pacto Global da ONU no Brasil e parte do primeiro grupo de Conselheiros do Secretário-Geral da ONU sobre a Emergência Climática, possui uma perspectiva semelhante à de Odenilze, o que revela uma intensa preocupação com a falta de tomada de decisões por parte das autoridades.

“É bastante decepcionante, porque se a gente parar para pensar, nos últimos anos os relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] foram muito diretos ao evidenciar o tamanho do colapso climático que a gente está enfrentando. O compromisso que a gente espera pro mundo que está colapsando, que está se acabando, é muito maior do que o que a gente vê hoje”, conta.

Paloma propõe a redução a zero das atividades prejudiciais cometidas pelas empresas. “O que a gente precisa é realmente de um pacto global entre todos, entre todas as comunidades, onde todos os seres da terra tenham um lugar igual de voz e que a gente entenda que a única forma da gente sair como humanidade desse colapso, dessa crise, dessa emergência climática, é se a gente estiver junto”, acrescenta.

Um exemplo recente que ilustra a fala de Paloma são as recentes ondas de calor que vêm acontecendo ao redor do mundo. Um gráfico da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa) revela que a mais alta temperatura já registrada no Atlântico Norte em 41 anos, entre 1982 a 2023, aconteceu em julho deste ano.

“A gente está num momento crucial para combater a emergência climática. E a Amazônia tem esse papel importantíssimo nesse aspecto, de levar todos esses países que representam toda a Amazônia para juntos planejar o futuro desse bioma  que é de extrema importância pro planeta”, complementa Angélica Mendes, ativista socioambiental brasileira, bióloga e doutora em ecologia e evolução, que atua diretamente na articulação de juventudes amazônicas e justiça climática para manutenção do legado de seu avô Chico Mendes.

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A luta jovem

“A gente não luta porque a gente gosta da luta, a gente luta porque a gente tem que sobreviver”, afirma Walter Kumaruara, que traduz a luta dos jovens pelo clima como algo árduo e muitas vezes sem retorno. “Na verdade, a gente sempre fala que se fosse pra escolher entre lutar ou ficar em casa, a gente escolheria ficar em casa de boa, né?”.

É pensando no futuro das próximas gerações e na própria vida que ele tem travado uma luta. “Muita gente romantiza isso de dizer que a juventude está na luta, a juventude gosta da luta, gosta disso, gosta daquilo”, complementa Kumaruara.

O estudante de jornalismo João Serrão, que tem suas origens na cultura indígena do povo Mura, complementa: “A questão principal para mim nesse processo todo é a saúde mental, de ficar desesperado com os rumos do mundo, pensando que o mundo vai acabar com esse modelo de desenvolvimento”.


O estudante de jornalismo João Serrão é natural de Itacoatiara (AM) / Arquivo pessoal

Angélica Mendes enxerga que agora os jovens mais engajados são também os mais afetados pelo racismo ambiental, entre comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e da periferia. 

“Enquanto jovens líderes, a gente já está fazendo a nossa parte. Nós estamos falando, nós estamos propondo políticas, nós estamos nos articulando, ocupando espaços, só que enquanto jovens a nossa voz não é levada a sério”, explica.

“Somos tratados como se não soubéssemos o que estamos fazendo, como se a gente estivesse ali de brincadeira, sendo café com leite. E isso acontece mesmo com aqueles que têm experiência das suas bases, dos seus territórios e até diplomas académicos, doutorado”, acrescenta.

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Não à centralização

Para os jovens, não é hora de centralizar o debate em vozes de autoridades que, na maior parte dos casos, desempenham papéis fundamentais para o avanço da crise climática.

A juventude não quer apenas estar nas rodas de conversa dos debates, mas também ser integrada às decisões e conversas de maior relevância. Apenas discursos em espaços menores, como ocorreram no Diálogos Amazônicos e na Cúpula da Amazônia, não serão suficientes para que haja uma mudança real na mitigação do aquecimento global a partir da COP30.

Residente em Santarém (PA), Walter Kumaruara ainda tem dúvidas quanto à real participação das minorias e da juventude na COP30. “Até a galera que mora aqui na região acredita que não vai ter acesso. Apesar de ter credenciais, existem muitas questões burocráticas para chegar em uma COP dessa. A gente que está aqui talvez tenha que ficar do lado de fora”, diz.

Walter se percebe com um papel de jovem liderança em defesa dos direitos da juventude com o olhar voltado para a situação de abandono que muitos enfrentam e da qual acabam sendo vítimas.

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“Já tem muitos direitos no papel, mas pouco é cumprido. A gente precisa lutar em defesa desses direitos, do acesso à educação, à saúde, a políticas públicas. Para que tudo isso chegue nos nossos territórios”, afirma.

Walter diz ainda que a COP pode, sim, contribuir para esse processo desde que as vozes certas sejam ouvidas: “as de quem anda direto nas aldeias e nas comunidades, de quem conhece o processo, de quem sabe do que a juventude está precisando dentro do território”.

Odenilze Santos acredita que a COP30 pode ser um momento oportuno para os jovens falarem sobre suas perspectivas. “A gente vai ter uma oportunidade incrível, mas se não tivermos cuidado, vamos ver mais um evento sendo preenchido por pessoas que não são daqui, falando com propriedade sobre um tema que é nosso”, explica a ribeirinha, ativista socioambiental, formada em Gestão Pública e membra do Global Shapers Manaus. “Já tem uma galera que está organizando que é de fora, então a gente precisa estar atento a isso”, conclui.


Odenilze Santos é natural da comunidade de Carão, no município de Iranduba (AM) / Imagem: Bruno Mello

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Greenwashing em Belém

O que as grandes conferências e reuniões têm feito pela Amazônia é algo perceptível aos olhos dos jovens. Os debates pelo clima viraram uma espécie de moda, usada pelos políticos da Amazônia para levantar uma bandeira falsa.

O greenwashing (“lavagem verde”, no termo em inglês) é uma camada de tinta que estão tentando jogar principalmente em Belém (PA), capital que vai receber a COP, conforme explica João Serrão, natural de Itacoatiara (AM) que vem resgatando suas origens e identidade indígena Mura.

“O governo do Pará está numa corrida para mascarar e limpar muita coisa errada que acontece na cidade, no estado em geral”, diz. João reflete não só sobre Belém, mas sobre a própria cidade em que mora, Manaus (AM), a segunda capital menos arborizada do país.

“Tem todas essas questões de um modo de vida que não faz sentido com a nossa própria realidade, não faz sentido com a nossa questão territorial, é isso que nos deixa indignados”, conta.

Apesar da crítica, João acredita que justamente por esses fatores é importante a COP-30 acontecer na Amazônia, para que o mundo veja o ponto de não retorno ao qual a região está chegando.

“Espero que eles vejam e conheçam a Amazônia de verdade como ela é, com as populações e as pessoas daqui, e não vejam só aquele lado que eles gostam de pintar e mascarar as desigualdades”, conclui.

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Esperança

Com prós e contras, mas mirando um futuro em que as populações amazônidas possam não apenas sobreviver, mas viver, os jovens ainda seguram firme na esperança de uma mudança de postura dos governantes na COP30.

“O que eu espero da COP é que, de fato, a gente consiga montar nesses próximos dois anos um corpo de pessoas, ativistas, organizações e movimentos sociais que façam sentido de estar ali presentes”, diz Odenilze Santos.

“Eu espero que a COP traga resoluções de fato, que traga alternativas e que traga acordos que venham a ser cumpridos no curto, médio e longo prazo. Mas o que eu espero é que a COP faça sentido para a Amazônia, que não seja só mais um evento na Amazônia sobre clima e mais um evento midiático”, complementa.

Para Angélica Mendes, é hora de aproveitar a COP30 para chamar os países colonizadores que, por meio de seus modelos de desenvolvimento, fizeram o Brasil e o planeta estar passando pela crise climática.

“É hora deles pagarem, de fazerem a reparação histórica, que é trazer mais recursos para a gente conseguir fazer a manutenção da floresta em pé. Assim os países conseguiriam pensar melhor, com mais tranquilidade nessas políticas para a gente preservar a Amazônia”, afirma.

João Serrão vê como uma oportunidade também para contornar o discurso de que será só mais um evento. “Tem esse lado pessimista de que vai ser só mais uma balela, que vai ser só aquele oba-oba ou, que de fato, a gente vai poder participar e reivindicar o que é nosso por direito”, acrescenta.

*Reportagem para o Programa de Microbolsas Jornalismo Tapajós, uma parceria do Laboratório de Comunicação Amazônia e do Projeto Saúde e Alegria para estimular a produção jornalística de jovens profissionais da região.

Edição: Rodrigo Chagas

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